
POLICIAIS E O USO REGRESSIVO DA FORÇA! REGRESSIVO?
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A apresentadora Xuxa povoou a cabeça das autoridades de segurança pública do Distrito Federal depois do último aniversário da Capital da República, em 21 de abril, quando solicitou que cessassem as brigas para que pudesse continuar o seu show. O time do São Paulo, mesmo sem uma figura famosa como o jogador Ronaldo “gordinho ou não” Fenômeno, também foi

tema recente das manchetes do jornalismo da Capital e do Brasil. No dia 1º de maio, para não falarmos apenas de nosso país, estudantes e trabalhadores na França também lotaram os periódicos físicos e eletrônicos de imagens. Mas nos ocorre a pergunta: “o que a apresentadora Xuxa, o São Paulo Futebol Clube jogando em Brasília e os trabalhadores franceses têm em comum?” A resposta: eventos que causaram questionamentos sobre a ação policial quando da necessidade de cumprir a lei utilizando a força. Tudo em um momento em que a comunidade exige excelência na sua consecução.
Os casos acima citados estão na mente da população. Questionou-se a competência da polícia ostensiva. É um fato. Um fato lamentável, mas, felizmente, possível de ser corrigido. A progressão ou escalonamento das ações dos operadores da lei são parte da cura para o câncer chamado violência do Estado.
Cabe explicar que o uso progressivo da força tem a finalidade de permitir que haja o cumprimento da proporcionalidade no momento da necessária ação do profissional de segurança para a prática de suas funções, quando precisar cessar uma ação delituosa.
Lembremos que houve época, traçando um paralelo com a forma de cessar a tal ação delituosa, em que membros de corpos de segurança entendiam que estrito cumprimento do dever legal (uma das excludentes de ilicitude previstas em nosso Código Penal) podia ser compreendido como “estou uniformizado e vou fazer o que bem entender para punir seu comportamento inadequado, seu paisano folgado”. E este “entendimento” casa como a “água ao óleo” em relação às nossas funções de pedagogos sociais (salve Balestreri) e educadores em segurança. Bom, se quisermos brincar de amigo e inimigo talvez esse conceito (… paisano folgado…) esteja certo. Mas penso que todos concordam que esse não seja o caso.
O uso progressivo da força e os direitos de cada cidadão devem ser uma tônica constante em nosso dia-a-dia. Acompanhem este exemplo. Em junho deste ano presenciei uma instrução do Soldado Luciano Ramos (BOPE da PMDF) em um momento interessante, moderno e atual. Ele repassava informações sobre progressão em recinto confinado e uso da força com armas de fogo.
Havia um diferencial palpitante durante aquele processo de reeducação e

capacitação: o uso de armas do tipo airsoft (armas de gás comprimido idênticas às que utilizamos em todos os aspectos – peso, material de confecção, recuo – mas que atiram esferas plásticas de 6mm).
Em certo instante do exercício, que se denomina treinamento força-contra-força (do inglês force-on-force training), o aluno o alvejou no instante em que a munição do Luciano Ramos, enquanto instrutor e fazendo papel de agressor social, já havia acabado. O policial educador se levantou de pronto e perguntou: “O que você está fazendo? Você acha que seu procedimento foi correto?” E o aluno, notadamente surpreso, retrucou: “Ué, mas você estava atirando em mim. Eu cumpri a missão. Sua munição acabou e eu te matei. Estou errado?” A resposta foi rápida e enérgica: ”Você deve preservar a vida enquanto representante do Estado e guardião dos direitos e garantias individuais das pessoas. Suas emoções devem ser contidas e a Lei deve prevalecer. Cumprir a missão nunca vai ter o significado de se fazer o que bem entende e atirar nas pessoas. Existe uma grande diferença entre as duas coisas. Lembre-se disso.”
Antes que vocês me questionem sobre eu ter errado na patente do instrutor, saibam que estou falando, sim, de um soldado. Diga-se de passagem um dos melhores instrutores que já vi atuando em termos didáticos, pedagógicos e de contextualização de técnicas e táticas policiais.
O que relatei não tem afinidade com a condenação de procedimentos daquele aluno operador da segurança, mas com uma observação da cultura organizacional e pessoal que precisa ser alterada. O que foi aplicado como conceito de justiça por parte daquele discente que foi corrigido é o que ainda faz parte da certeza de muitos que têm em suas mãos a batuta do dever de cumprir a lei. Não devem ser apenados – como o são – aqueles que não conseguem transpor o pensamento da punição.
Cumpre-me dizer que existe uma educação equivocada – no seu mais amplo conceito. Cumpre-me dizer, também, que o pensamento de atirar no agressor ao invés de buscar meios de agir tecnicamente (aproximação, redução de capacidade de resistência, contenção, algemamento e condução) fazem parte da parca capacitação e treinamento recebidos.

A educação a que me refiro é Rohdeniana. Esse é um neologismo meu por ter aprendido a gostar do que diz Huberto Rohden sobre educação, após ser introduzido a ele pelo grande amigo Jefferson Polly. Ela tem um profundo conteúdo sociológico, antropológico e cultural, que deve ser obrigatório aos aplicadores da lei. Me frustra ter que ouvir da necessidade de ser impetrada uma ação judicial para que cidadãos mais maduros e com mais afinado conteúdo acadêmico sejam os novos integrantes da polícia ostensiva. A comunidade mundial precisa de policiais decisores que tenham um pensar holístico, ampliando a visão excessivamente cartesiana e equivocada que alguns defenderam recentemente, pautando-se em aspectos excessivamente burocráticos, algo altamente prejudicial e preconceituoso quanto a proteção dos cidadãos. É possível que esses burocratas desejem um fim Shakespeareano e patético (vide o pathos da tragédia grega – lembrem de Romeu e Julieta) para a “dramatização” da proteção da população. Mas questiono: é esse o arquétipo que a sociedade deseja ver perpetuado? Tenho certeza que não.
Quando falo de USO REGRESSIVO DA FORÇA me permito propositalmente deformar o USO PROGRESSIVO para questionar se aquele ou aquela policial que desejamos nos proteger possui maturidade profissional para exercer sua atividade com a excelência que a preservação da vida requer. Eles são

oriundos de um ambiente acadêmico que lhes permita assimilar e reter suficiente conhecimento para decidir corretamente as complexas decisões do cenário de segurança pública? Lhes foi entregue, por exemplo, ferramental de uso individual e coletivo para que nós e nossos filhos não sejamos abordados violentamente, mas tecnicamente? Que condições de proteção jurídicas e de trabalho eles possuem para não preferirem serem omissos ao invés de nos atenderem em todas as situações que dele ou dela precisarmos?
Para evitar o famigerado USO REGRESSIVO DA FORÇA nos cabe exigir uma postura de Estado e não uma decisão de governo. O Estado, como a sociedade, é perpétuo. O Governo é temporário, mas suas decisões, quando equivocadas, podem afetar a perpetuação de um bom convívio social. Comecemos a agir. Não pelo aumento das fibras musculares, mas por intermédio da educação. E agora? Que tipo de policial você deseja ao seu lado: o que reprime ou o que protege? O policial do Governo ou o do Estado? O que pune ou o que educa? Você procura a regressão ou a progressão do uso da força? A horda do medo ou a Corporação do respeito?
Já que comecei com artistas e o lado menos tragável do pão e circo, preciso de um fechamento semelhante, porém menos drástico. Falar dos grupos brasilienses como Legião Urbana e Plebe Rude seria pertinente. Há mais de duas décadas já se questiona a deficiência de proteção e de um Estado frágil quanto a esse tema, indicando ainda uma postura visionária daqueles poetas sociais. A música Será, que deu visibilidade para o Legião, diz em seu refrão final:
“Brigar prá que? Se é sem querer
Quem é que vai nos proteger?
Será que vamos ter que responder
Pelos erros a mais, eu e você ”

Já no caso da Plebe, uma das partes de Proteção diz:
A PM na rua nosso medo de viver
O consolo é que eles vão me proteger
A única pergunta é: me proteger de quê?
Sou uma minoria mas pelo menos falo o que quero apesar da repressão.
Pensemos nisso.